O levante do pé demonstra o primeiro passo dentro do cômodo após o retorno do amante desolado. Nada dói mais que o abandono, quando se tem alguém como único em mente e corpo. Deixá-la ir foi senão a sensação mais forte já sentida desde que começaram seu rebuliço romântico. Mil vezes disse tchau, mil vezes por não acreditar em suas próprias palavras, mil vezes ela respondeu, e mais mil vezes ele quis não acreditar, assim pela primeira vez, naquilo que ela tinha dito. Mil vezes morreu, e mil vezes renasceu com a esperança do reencontro.
Olha o quarto. Ele sabe que ela esteve lá, mas não parece crer. Vê tudo como é; tudo como sempre foi. Chão não sente mais, e ainda assim sonipediante anda pelo quarto – cada passo ecoando no vazio em seu torço. Percorre com os olhos todos os momentos que passaram lembrando cada lugar do cômodo. A surrealidade parece viva nele, não aceita a inexistência de algo que parece tão fundamental a si.
Ele sabe de tudo que aconteceu ali. Lágrimas, risos, prazeres. Cada retalho da colcha que firmou-se como relacionamento vívido naqueles quatro dias passados. Vê o cheiro leve, suave, límpido dela sobre sua cama, sobre sua roupa, sobre ele – ainda assim, não parece real. Não consegue crer que ela esteve lá, em presença do ser.
Em um desespero súbito, deita-se na cama, cobre-se, e tenta firmar a mesma forma de rotina que haviam feito nos últimos sequenciais fatos. Só deita-se, e lá fica – a pensar, a lembrar, a estar. Procura o cheiro de seu travesseiro com o nariz arfante, corre por toda a cama a procura de um rastro – nada. Só acha palavras de suas conversas, que antes presas em sua memória, agora despencam por seus cabelos e olhos, e vem-lhe a fronte com se acontecessem agora. Fica assim por um tempo: A lembrar das conversas, de que tudo que foi secretado ali. Apaixona-se e desilude-se por mais mil vezes, e deixa de crer por total na veracidade dos últimos dias.
Como se se tivesse conformado, levanta-se para sair do quarto. Quando se põe de pé como que recomposto, cai de novo na poça de lembranças quando vê, mesmo que pequena, a presilha de cabelo que ela usava. Era real. Ela esteve lá. Por um momento alegria lhe toma o peito. Ela existe! Ela veio! Ele foi feliz! Ele foi feliz... Ele foi...
As notas perseguem a melodia, e a tristeza por igual o persegue. Ele foi feliz, e não mais o é – não enquanto for só. Seus olhos afogam-se em sentimento, sua vista embaça, e por pouco não deixa de ver a presilha, e agora também a pasta de dente, que ela deixou ali. Pode-se até ser que tenha embaçado por total a vista, mas a imagem dos objetos cúmplices de seu romance nunca saíram-lhe dos olhos.
Em uma tentativa frenética, por assim dizer, de distrair-se, corre o local com os olhos e começa a arrumar seus afazeres. Só pára quando, por debaixo da cama, descobre uma escova de cabelo, que por mais uma vez o traz de volta à dor. Observa-a e nota fios de cabelo presos aos dentes da escova – não há mais como duvidar, ela esteve lá. O choque de realidade é total e angustiante, joga-se na cama como por necessidade, como sendo algo inevitável e lá fica, só a olhar o artefato.
A saudade é tanta que não lhe cabe ao peito, escorre em sua face e para na boca, que mais sente a falta. Não tem mais o que fazer, está cansado de pensar. Deita-se por completo, e deixa seu corpo a gritar. Gritar por aquela que o fez tão feliz, e que agora já partiu de volta para a cidade natal. Grita pela distancia, pelo tempo, por tudo. Grita por, pura e simplesmente, amar.