quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Da fagulha ao vento.

O horizonte.

O papel.

O lápis; a borracha.

Mais uma olhada para o horizonte, e a volta da fronte para o papel. Nada, nem sequer um simples pensamento passa-o pela cabeça. Às formas mais fáceis são dadas as ideias, porém os pensamentos... Ah, os pensamento. Esses são difíceis de criar, de contornar. Justificar-se há pelo fato das ideias serem primárias, enquanto os pensamentos são os trabalhosos, forçosos, exigem mais gasto de tempo e de reflexão. A ideia é a fagulha inicial, o que começa o fogo incendioso, enquanto o pensamento é o vento, que muito ao acaso, depois se arrastar por muitos cantos, finalmente vêm e espalha o fogo da fagulha e transforma-o na verdadeira obra pirofágica.

Sabe o tal do que precisa, têm-se já a ideia. Tem também já os meios, tem o combustível para deixar que o fogo queime; o lápis e o papel; agora só lhe falta o vento. Ele assopra, assopra, inúmeras vezes assopra sua ideia. Algo inútil, o que logo vê, já que não é de sopros que são feitas correntes de ar. Sente que precisa de um acaso, algo que o inspire a continuar. Sabe ele bem que os pensamentos não são dados a obedecer ao pensador, e quando o são, agem muito mais como um feitiço que se torna contra um feiticeiro, do que algo que vem a se tornar produtivo e interessante. Os pensamentos são livres – livres pra voar por todo o horizonte e somente vir a pousar no feno fagulhado quando bem os entender. Pode-se dizer inclusive que por saber que voam ao horizonte, que este, que tenta escrever mas não consegue, olha-o, podendo, então, estar a procura daquilo que tanto deseja conseguir ter.

Não é do horizonte, ou do esforço, ou mesmo do vento que passou - que poderia estar trazendo consigo um bocado de pensamentos outros que serão usados por outros pensadores. O que lhe garantiu a conclusão de sua meta, o que lhe brotou o pensamento foi um livro. Um livro que ele havia há muito esquecido; um livro empoeirado, jogado em sua estante, mas que ao feliz acaso dos fatos estava virado com sua capa para o observador. Ao começar a refletir sobre o assunto tratado, assunto tal muito parecido com o que tratava ele em sua cabeça, sentiu o vento soprar e o fogo incendiar toda a sua imaginação. Rápido, para não perder o que havia a pouco conseguido, pegou seu papel e seu lápis, e escreveu. Regozijou-se do acontecido, e satisfez-se do que havia escrito. Embrulhou o papel no envelope, e com muito cuidado enviou-o a seu destinatário.

Ela, quando recebeu o envelope, não podia estar mais surpresa. Abriu e com as mãos trêmulas de quem não sabe o que virá do objeto que recebeu, leu o que nele estava eternizado:

“Um filosofo uma vez escreveu que o pensamento e a pessoa a quem se ama contém entre si uma semelhança profunda. Disse que o pensamento, quando não é escrito, corre um grande e horrível perigo de ser esquecido, e que a pessoa amada, quando não é agraciada pelo matrimônio, corre o mais terrível perigo do abandono. Meu maior pensamento já o tenho, e por isso o escrevo, para nunca perde-lo ou esquece-lo:

Aceitaria você se casar comigo?”.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Amaro

O levante do pé demonstra o primeiro passo dentro do cômodo após o retorno do amante desolado. Nada dói mais que o abandono, quando se tem alguém como único em mente e corpo. Deixá-la ir foi senão a sensação mais forte já sentida desde que começaram seu rebuliço romântico. Mil vezes disse tchau, mil vezes por não acreditar em suas próprias palavras, mil vezes ela respondeu, e mais mil vezes ele quis não acreditar, assim pela primeira vez, naquilo que ela tinha dito. Mil vezes morreu, e mil vezes renasceu com a esperança do reencontro.
Olha o quarto. Ele sabe que ela esteve lá, mas não parece crer. Vê tudo como é; tudo como sempre foi. Chão não sente mais, e ainda assim sonipediante anda pelo quarto – cada passo ecoando no vazio em seu torço. Percorre com os olhos todos os momentos que passaram lembrando cada lugar do cômodo. A surrealidade parece viva nele, não aceita a inexistência de algo que parece tão fundamental a si.
Ele sabe de tudo que aconteceu ali. Lágrimas, risos, prazeres. Cada retalho da colcha que firmou-se como relacionamento vívido naqueles quatro dias passados. Vê o cheiro leve, suave, límpido dela sobre sua cama, sobre sua roupa, sobre ele – ainda assim, não parece real. Não consegue crer que ela esteve lá, em presença do ser.
Em um desespero súbito, deita-se na cama, cobre-se, e tenta firmar a mesma forma de rotina que haviam feito nos últimos sequenciais fatos. Só deita-se, e lá fica – a pensar, a lembrar, a estar. Procura o cheiro de seu travesseiro com o nariz arfante, corre por toda a cama a procura de um rastro – nada. Só acha palavras de suas conversas, que antes presas em sua memória, agora despencam por seus cabelos e olhos, e vem-lhe a fronte com se acontecessem agora. Fica assim por um tempo: A lembrar das conversas, de que tudo que foi secretado ali. Apaixona-se e desilude-se por mais mil vezes, e deixa de crer por total na veracidade dos últimos dias.
Como se se tivesse conformado, levanta-se para sair do quarto. Quando se põe de pé como que recomposto, cai de novo na poça de lembranças quando vê, mesmo que pequena, a presilha de cabelo que ela usava. Era real. Ela esteve lá. Por um momento alegria lhe toma o peito. Ela existe! Ela veio! Ele foi feliz! Ele foi feliz... Ele foi...
As notas perseguem a melodia, e a tristeza por igual o persegue. Ele foi feliz, e não mais o é – não enquanto for só. Seus olhos afogam-se em sentimento, sua vista embaça, e por pouco não deixa de ver a presilha, e agora também a pasta de dente, que ela deixou ali. Pode-se até ser que tenha embaçado por total a vista, mas a imagem dos objetos cúmplices de seu romance nunca saíram-lhe dos olhos.
Em uma tentativa frenética, por assim dizer, de distrair-se, corre o local com os olhos e começa a arrumar seus afazeres. Só pára quando, por debaixo da cama, descobre uma escova de cabelo, que por mais uma vez o traz de volta à dor. Observa-a e nota fios de cabelo presos aos dentes da escova – não há mais como duvidar, ela esteve lá. O choque de realidade é total e angustiante, joga-se na cama como por necessidade, como sendo algo inevitável e lá fica, só a olhar o artefato.
A saudade é tanta que não lhe cabe ao peito, escorre em sua face e para na boca, que mais sente a falta. Não tem mais o que fazer, está cansado de pensar. Deita-se por completo, e deixa seu corpo a gritar. Gritar por aquela que o fez tão feliz, e que agora já partiu de volta para a cidade natal. Grita pela distancia, pelo tempo, por tudo. Grita por, pura e simplesmente, amar.

sábado, 7 de maio de 2011

Ladrão que rouba ladrão

As vidas humanas, únicas.
Belas em alma,
corrompíveis em cena.

Quem somos nós
para tirar uma vida?
Quem somos nós
para agradecer por tê-la sido tirada?

Na caixa podre das notícias
vemos a fatalidade.
Morre assim o antagonísta
de uma geração passada.

Na caixa ilusória das notícias
vemos as festas comemotativas.
Nasce assim o antagonísta
de uma geração que está por vir.

Nesse ciclo seguimos.
Sendo cruéis,
desdenhosos,
desumanos.

Tramanos a vida humana como lixo.
Tratamos a vida humana como nada.
Não tratamos da vida humana.

Aqueles que saudam os assassinos,
mesmo que assassino de um outro seu par,
lhes peço, por favor,
esqueçam de mim,
que não tenho nada para lhes falar.

terça-feira, 3 de maio de 2011

El Dourado

Procuro em cada boca que beijo
um beijo somente seu;
Em cada troca de olhares,
um olhar seu.

Procuro-te sempre.
Em cada situação,
momento,
ação;
a todo tempo.

Por tanto procurar
e só achar o desencontro,
me sinto cada vez mais ausente de mim mesmo.
Mais volátil.

Cada carícia fica mais vázia;
cada beijo menos prazeroro;
cada momento com menos luxúria.
O prazer, por si só, se esvai.

Compreendo, porém, que não sei a quem procuro.
Não sei onde você está, ou quem é.
Só sei que tenho a vontade de achá-la.
Não só uma vontade,
mas uma necessidade inevitável.

Tão fundamental é a intenção
que a idéia da futilidade me toca.
Seria eu que não te encontro, por não conseguir?
Seria eu que não sei agir pra te encontrar?
Seria eu a causa de meu próprio infortúnio?
Seriam,
será,
seres.

Incontáveis inconstantes - incompletos.

Busco uma imagem, um ser;
um "alguém".
Mas não encontro.

Como que de súbito, entendo.
Entendo que o que procuro não tem cara;
não tem voz;
não tem cor, nem tamanho.
Não tem nada, só nome.
O que procuro é  o Sentir.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Astro só

Ao que tudo indica,
sua presença não é
precisa.

Ao que tudo mostra,
dele as pessoas não dão
falta.

Mas ele sim.
Sente falta do eu;
sente falta de ser.

Ele sim:
perdeu sua consciência;
perdeu sua individualidade

Mais uma ovelha no rebanho,
mais um número na conta;
mais um zero pra esquerda.
Mais um.

Sua vontade é de sumir,
desaparecer.
Sua reação é de ficar,
desaparecer.

Sente como se desparecesse,
a direfença não seria sentida.
Sente como se desaparecesse,
desaparecia também sua existência.

Tem em mãos o paradoxo:
não querer fazer parte -
não fazer parte e, então, não mais ser.

Quando em grupo se sente só,
e quando só não sente nada.
Vê a todos como confirmantes
necessário de sua existência.
Ignorância necessária para
confirmar sua presença.

Ele cansa:
cansa de não ser;
cansa de ser;
cansa de não ser notado;
cansa de ser humilhado.

Ele foge:
corre;
corre mais rápido que pode.
Corre para longe,
corre e de tudo foge.

Corre até o amanhecer.
Até as ruas se transformarem
em terra.
Até a Terra se transformar em
estrela.
Corre até tudo se transforma em nada;
até ele ser o único que nota e é notado.
Corre até que o escuro é tudo que
resta, e nada mais existe.
Corre até o fim.
Corre ate deixar de ser o que antes foi...

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Ao som de um blues.

Seus olhos verdes o perdem em um mar.
Ele navega por eles, e por desejos, e por vontades.
Ah, ainda se algo o fizesse agir.
Mas não, ele não vai;
e não julga ser por medo.
Não um medo comum, ou de procedência conhecida.

É sim um temor.
Um medo que turge seus pensamentos;
paralisa suas ações;
que fecha sua garganta,
que grita por ações irracionais.

As palavras lhe vêem a cabeça,
ele pensa em mil dizeres,
mil olhares.
As mãos estão a um levante de distância,
mas essa nunca pareceu tão longa.

Longa como a maratona dos gregos,
longa como a odisséia.
Sente como se sua mão tivesse de sair de Tróia,
e tivesse de chegar em Ítaca.

Olha para seus fio louros de cabelo,
depois para seus olhos navegantes,
enfim para seus lábios,
sensíveis; frágeis; lindos.

Estremece, consegue pensar no que dizer.
A empolgação é angustiante.
Ele olha, consegue sua atenção;
Sua boca se abre, seu olhos se fitam;
mas as palavras lhe travam nos dentes.
Dentes de um sorriso falso,
um sorriso só.

E assim ele continua;
Sozinho,
quieto.
Ele permanece no silêncio...

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

O que todos dizem.

Como falar de amizade sem defrontar o clichê?
Eles, sim, são os maiores amores;
na vida as maiores companhias;
nas brigas, as maiores dores;
e de súbito as maiores famílias.

Nem todos duram o quanto queríamos;
mas enquanto duram são eternos.
Se todos durassem, com certeza não aguentaríamos.

Queremos todos ao mesmo tempo;
queremos nenhum em momento algum;
queremos um, que seja, ao menos;
mas sempre uma parte deles queremos.

Espero na vida ter vários;
por ela também perder uns;
e quando morrer, pra dar falta de mim
   [pelo menos alguns.

Cansei do clichê, então pararei de escrever;
mas que saibam todos os meus
que os amo, e temo-os perder.

(Tá um tanto quanto idiota, e como disse e re-disse -hahahaha, clichê. Mas, bom, era sobre isso que queria falar, e desafio quem faça um poema sobre tal, sem cruzar o ridículo, ou o imbecil).